Alto
índice de mortalidade infantil, déficit na curva de crescimento, atrofias
musculares. O mesmo panorama visto entre crianças pobres da periferia de Belém
ganha contorno de maior de intensidade junto às populações indígenas, o que
reflete, em grande parte, a perda de referências culturais e introdução de
hábitos alimentares dos não-índios. O Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição dos
Povos Indígenas (2008-2009) mostrou que na região Norte do Brasil, entre os
menores de 5 anos de idade, o déficit de crescimento foi de 41,1% e a incidência
de anemia, de 66%.
Dados como esses são acompanhados de perto pela Faculdade
de Nutrição da Universidade Federal do Pará, que vem desenvolvendo projetos de
monitoramento no âmbito alimentar e nutricional de populações indígenas e
quilombolas.
Entre os menores de 10 anos da etnia Asuruní do Trocará
(Tucuruí-PA), o baixo peso para idade foi 13,0%, a baixa estatura, 57,0%, e a
anemia, 45,0%. Entre os indígenas Araweté, Parakanã, Asuriní, Arara, Kararaô e
Kayapó (Altamira-PA), a anemia variou entre 6,25 e 50,0%, e o risco nutricional
de baixo peso para idade oscilou entre 33,3% e 92,3%.
Em crianças, a
desnutrição é sinônimo de crescimento deficiente. "As crianças desnutridas são
mais baixas e pesam menos do que deveriam para a idade. Alguns fatores explicam
isso, como o aleitamento materno inadequado, a baixa qualidade e quantidade da
alimentação complementar e a absorção de nutrientes prejudicada por infecções e
parasitoses intestinais", diz a nutricionista Rosilene Reis, coordenadora da
pesquisa. "Já nos foi possível avaliar o estado nutricional de 631 crianças",
diz Reis.
CONSUMO
Segundo ela, os índios vêm mudando os hábitos
alimentares, deixando a dieta tradicional, rica em proteínas (carne de caça
principalmente), tubérculos e fibras vegetais e passando a comprar alimentos
industrializados. "Com isso acabam ingerindo uma maior quantidade de sal, de
carboidratos de absorção rápida e de alimentos ricos em gordura e mais
calóricos, além de terem diminuído as atividades tradicionais de plantio e
colheita", alerta a pesquisadora.
É o que vem ocorrendo de forma acelerada na
área de influência da usina hidrelétrica de Belo Monte, segundo Rosilene Reis.
No período de 2007 a 2011, foi feito um monitoramento em aldeias indígenas dos
rios Bacajás, Xingu e Iriri. Kaiapós, Awaretés, Parakanãs, Araras e Assurinis
vivenciam os mesmos problemas. "Há um percentual muito alto de desnutrição
proteica", diz a nutricionista.
Aldeias que tinham pouco contato com os
brancos e que eram protegidos por um posto da Funai agora convivem com a forte
presença de estranhos circulando nas terras indígenas. Cada aldeia recebe R$ 30
mil da construtora até um período determinado. Com isso, o consumo de doces
explodiu. "A dieta passou a ser feita a base de carboidratos, com arroz e
feijão. Os índios deixaram de caçar e pescar. Essa desnutrição gerou atrofia
muscular. Há muitos casos de diabetes também agora", afirma a
pesquisadora.
MORTALIDADE
Rosilene Reis alerta para um dado que não
costuma ser divulgado. O índice de mortalidade infantil é muito intenso nas
aldeias paraenses. "É considerado comum crianças não passarem de um ano de
idade". Segundo ela, em aldeias de Marabá e Tucuruí a situação é ainda mais
grave.
A nutricionista acompanhou de perto o impacto causado pelo que ela
chama de transição alimentar em índios de Oriximiná, das etnias Wai-wai, Xereu,
Hixkariana, Wapixana, Mayana, Xarapayuna, Katuena e Mundurucu. "O acesso
limitado a serviços de educação e saúde, conflitos por terras e a inserção nos
mercados regionais têm favorecido a migração indígena para centros urbanos", diz
a pesquisadora. "Isso vem acarretando um processo de aculturação que conduz à
transição alimentar, visto que a população passa de uma atividade de
subsistência baseada na caça, pesca e coleta para uma incorporação de alimentos
industrializados".
Os índios acabam desviando os esforços produtivos para
culturas comerciais, a fim de satisfazer às necessidades criadas com o novo
hábito sociocultural. "Os modos tradicionais de aquisição e consumo de alimentos
na cultura indígena significa manter o corpo, a alma e a natureza em contato.
Isso quer dizer que é preciso ter a garantia da terra, e isso está
comprometido", afirma.
A solução, segundo Rosilene Reis, implica implantação
de políticas de segurança alimentar e nutricional com ações que tenham ampla
participação comunitária no resgate e fortalecimento das práticas
culturais.
"A população indígena é sempre vulnerável", afirma a
nutricionista. "Por isso, o consumo inadequado de alimentos, em termos
qualitativos e quantitativos, pode ter contribuído para o desenvolvimento de
subnutrição, diarreia, desidratação, anemia e aumento da mortalidade infantil",
afirma.
(Diário do Pará)
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